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domingo, 16 de janeiro de 2011

a morte anunciada



Hoje, como faço todas as manhãs, ao acordar, abri a porta de vidro que dá acesso a sacada e fui dar bom dia ao mundo. Adoro esse momento ! O mundo, da minha sacada, está em paz.

O mar cinzento parecia estar imóvel, sem ondas. Uma suave brisa soprava na minha direção. Que maravilha esse momento de paz e silêncio ! A cidade ainda estava adormecida mas o sol já anunciava que teríamos um dia quente.

Tenho um passarinho de estimação, quase que diariamente, chega na minha sacada às cinco horas da manhã. Ele é livre, aparece quando quer ou tem fome. Hoje ele me olhava e cantava. Fui buscar um pedaço de mamão . Não se assusta mais com minha presença, espera eu colocar a fruta na pequena floreira e então, me ignorando, começa a comer. Comeu e voou. Talvez volte amanhã ou não. Não depende de mim para nada, parece inclusive que chega até a minha sacada, só para me presentear com seu canto e sua presença. O pedaço de mamão que ofereço a ele é meu agradecimento. É um momento absolutamente encantador. Silêncio, depois música, beleza e paz.

Minha meditação é interrompida pelas primeiras freadas. Moro há duas quadras de uma avenida muito movimentada, caminho de volta para os que saem das baladas e vão em direção as suas casas, não sei se são jovens ou não. Ouço a aceleração dos motores e as freadas bruscas, às vezes o barulho de impactos, logo a seguir, sirenes cortam os ares. Volto ao mundo real .

Sempre afirmo que a política, a religião e a economia são os três grandes males que provocam morte e destruição, vou acrescentar a bebida e as drogas. As palavras - bom senso e moderação - foram banidas do dicionário, parece que a humanidade desconhece o significado delas. Por essa ignorância, somos obrigados a pagar um alto preço - vidas humanas, sacrificadas no altar da ignorância.

Como me isolar no meu "jardim encantado" e esquecer ou ignorar o que aconteceu no Rio de Janeiro? Alguém já esqueceu o que aconteceu em Angra ou Santa Catarina ? Todas as mortes eram anunciadas. Já sabíamos que poderiam acontecer . Alguma coisa foi feita para tentar impedir que tais tragédias tornassem a acontecer?

De que adianta as campanhas de doações? As vidas destruídas, serão devolvidas por algumas toneladas de alimentos, roupas e remédios? Já pararam para pensar no que deve ser morrer por asfixia na lama? Alguém já pensou na dor das mães que perderam seus filhos ? Crianças arrebatadas de seus braços pela força destrutiva das águas. O que é sentir fome ou sentir sede diante dessa dor maior? Famílias inteiras destruídas?

De quem é a culpa ? Da natureza? Claro que não ! O homem tenta, desafia a natureza mas nunca conseguiu dominá-la. Ela até que se acomoda mas há o dia em que reage e pagamos com vidas e muita dor, a nossa ignorância.

Há total harmonia no mundo mas o homem não observa. Ele está sempre rompendo essa harmonia. Se ele observasse e agisse com bom senso, poderíamos viver felizes em sintonia perfeita com a natureza. Mas a ganância, a indiferença, os interesses políticos e econômicos impedem que atitudes seja tomadas, como resultado, centenas de vidas são ceifadas. Como recomeçar? Como "viver com esse cemitério na cabeça" ?

As pessoas que constroem em zona de risco, não têm noção do perigo que estão colocando suas vidas e as dos demais moradores, mas as autoridades sabem e ignoram. Nem o alerta de perigo chegou aos moradores. Se tivesse chegado a tempo, mesmo assim, seria ignorado, sabem por quê? Não acreditamos mais nas autoridades, neste país. Elas não merecem respeito ou credibilidade. Só defendem interesses políticos ou econômicos. O povo que "se lixe", como disse o deputado gaúcho.

Não consegui deixar de pensar na vestuta OAB e na ameaça de processar a menina paulista que queria afogar os baianos no Tietê. Acabar com o preconceito é uma utopia, mas a educação pode mantê-lo sob controle. Achei um absurdo essa atitude, a menina perdeu o emprego, isso é fato, mas desconheço outras perdas que ela sofreu, mas calculo. Não seria mais lógico em vez de ameaçar, usando a força que possuem , terem uma conversa com ela? A força para mudar comportamentos? Jamais conseguirão, pelo contrário, o ódio ficará adormecido mas nunca morto.

Eu aconselharia a OAB a observar o entorno de Salvador, forte candidata a ser manchete na próxima temporada de chuva. É impressionante o descaso das autoridades baianas com o meio ambiente. Nos morros, ao redor da cidade, pipocam casas construídas em zona de risco e tenho certeza que são erguidas sem nenhuma orientação técnica e sem nem um estudo do terreno. Já vi encostas protegidas por plástico preto, tipo dos usados pelo MST, como se resolvesse alguma coisa.

Quem se atreve a tirar aquele pessoal de lá? Ninguém é tolo de colocar o sino no pescoço do gato . Já imaginaram quantos votos perderiam ? Teriam que enfrentar até o povinho dos Direitos Humanos que de tanto defenderem bandidos e não as vítimas, estão desacreditados. Nem um governo tem coragem de tomar uma atitude que possa parecer antipática para a população, mesmo que fosse para beneficiá-la. Atitude antipática acarreta perda de votos, eles não sobrevivem a isso.

Qualquer chuva alaga Salvador, moro aqui há seis anos, nunca soube que algo tivesse sido feito para mudar isso. Ano após ano o transtorno é o mesmo. O povo baiano continua reelegendo o mesmo governador e o mesmo prefeito. Então, se está bom para eles, quem sou eu para dizer o contrário. Eu não gosto de pedagogas, mas sempre que vejo a bagunça que é Salvador, penso em falta de panejamento.Se nada for feito, teremos mais mortes anunciadas.

E daí, como ficamos ? Sei lá, só sei que minhas palavras não tem peso algum, não sou famosa, só me resta protestar. Uma andorinha sozinha não faz o verão. Vou me trancar no meu "jardim encantado".

Fica uma pergunta nos ar - chega o sacrifício humano dessas seiscentas e tantas pessoas ou teremos que sacrificar mais, para que alguma atitude seja tomada pelas autoridades ?

" O mundo visível é tão privado de esperança que o meu mundo interior não tem preço para mim." (Emily Brönte)

Para todos nós, vítimas da indiferença dos governantes, vai minha música de hoje.

Café?