Ou você cria asas e voa ou vai passar a vida toda se perguntando
como é ver a terra lá do alto. Eu sempre arrisquei e fui em frente. Há algo
dentro de mim que não me permite parar. Mesmo que eu não queira sou
impulsionada a ir em frente. Esse "algo" parece uma voz sussurrando
nos meus ouvidos- vá em frente. Se ouço vozes serei esquizofrênica? Não, não
sou! Eu disse “que apenas que parece uma voz”. Poderia ficar sentada apenas
observando o mundo. Gosto de observar mas acho essencial participar. Aí começam
meus problemas.
Como participar se
não me interesso mais pelas pessoas? De modo geral são todas previsíveis e isso
me cansa. Gosto do imprevisto. Não preciso saber tudo, preciso descobrir coisas
novas. Adoro chegar cedo ao aeroporto só para ficar observando as pessoas. O que
mais gosto nelas é que não as conheço, então, posso criar uma vida diferente para
cada uma. Nessa vida que "crio" para cada uma, são todas
interessantes. Falam sobre seus mundos diferentes, sobre suas viagens, suas
leituras, emoções, frustrações, enfim, sobre coisas que me interessam.
Não há nada mais
frustrante do que conversar com uma pessoa que esteve em São Paulo, Buenos
Aires ou Paris e elas falarem apenas sobre restaurantes, compras, lugares
elegantes que foram, coisas engraçadas que viram e voltam para os restaurantes
e a saudade que sentiram do feijão com arroz de todo dia. Eu gosto também de
voltar para casa, para o conforto do meu ninho, mas não sinto saudade. O meu
espírito quer mais! Eu aprecio lugares e restaurantes sofisticados, no
entanto, não são minhas prioridades. Elas me aborrecem citando todos os itens
que adquiriram, comparam preços, valor das moedas. Eu fico quieta ouvindo (na
verdade fingindo que estou ouvindo) pacientemente e concordando comigo mesma -
perda de tempo irrecuperável - o tempo perdido não volta mais e nem se
recupera. Vontade de mandá-las para a 25 de março! Eu sou uma pessoa que sequer
olha vitrines. Não gosto, não me interessam e não tenho paciência.
Há dias que meu
espírito extrapola os limites do meu corpo, então fica espremido dentro dele e
isso me causa agonia, inquietude, sensação de ter tido as asas cortadas e nunca
mais poder voar. Sinto o desejo insuportável de me libertar. Esse meu "me
libertar" inclui as pessoas. Se eu me afastar, totalmente, delas ficarei
isolada, presa numa ilha sem esperança de ser resgatada. Não tenho medo da
solidão, nunca me sinto só, o meu mundo interior já é bem povoado com meus
sonhos. Há um lado positivo na solidão, ela propicia o meu encontro comigo mesma.
Nesse momento sou eu mesma, in natura. Eu não sou uma ilha, gosto de me ver
como um arquipélago sobre o qual meu espírito sobrevoa. Então qual seria o
motivo das pessoas estarem me aborrecendo hoje? Sempre sinto falta de uma certa competência para mentir, ajudaria e muito!
Hoje estou inquieta, quero algo que não sei o que é. Quando me
sinto assim preciso me isolar, ficar quieta, me ocupar com algo que prenda
minha atenção. Mas não encontro. Quero voar, mas minhas asas pesam, parecem de
chumbo. Estou acorrentada, como Prometeu, mas felizmente não pela eternidade,
eu espero. Hoje não consigo decolar, ver o mundo lá de cima, ter um novo ponto
de vista e em total segurança. A música, que sempre me acalma está me
irritando.
Raramente fico
zangada comigo por ter uma alma tão inquieta e errante. Levar a vida tão à
sério é um erro, precisamos rir com piadas idiotas, conversar sobre
futilidades, criticar o governo e não fazer nada (só a crítica pela crítica),
falar sobre compras inúteis, olhar fotos e mais fotos dos amigos, dos
conhecidos, da família e achar todas lindas (mesmo não sendo), coisinhas banais
assim, porém normais, no dia a dia de todos. Não consigo! Estou sempre voando
contra a corrente do ar. Quando estou assim, preciso me isolar, para minha
própria segurança. Se normalmente já preciso manter meus pensamentos numa
coleira, neste estado posso soltá-los e seria mal compreendida. Nem seria justo
com os outros. Iria contrariar o que estou sempre afirmando e defendendo - o
direito dos outros pensarem diferente de mim. Não existem critérios ou padrões
de avaliação para dizer quem está certo ou errado. Nem sempre acho que estou
certa.
Hoje eu queria voar, ir em frente e não estou conseguindo, até a porta do meu mundo de sonhos está fechada.
Café?
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