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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

depois daquele dia....


Chove em Salvador! Até a chuva aqui é diferente. Não cai aos borbotões, como se um balde de água fosse despejado em cima de nós. Ela é delicada. Ela chove mansinha, suavemente, sem pressa alguma !

Ela é enganadoramente mansinha. A sua aparência suave esconde seu lado perverso, bem como certas pessoas! Ela provoca deslizamentos, soterramentos e mata também ! Mas é um espetáculo lindo vê-la chegando do mar. Ela sempre vem de lá.

Primeiro você vê o céu ficando cinza e tingindo o mar. Pouco a pouco ela vem chegando , deixando uma névoa atrás dela. Não há mais a separação entre o céu e o mar, fica o infinito. Ela vem vindo , como se tivesse um sorriso suave nos lábios mas devorando tudo . Quando chega até a minha sacada, o mar desapareceu, o céu desapareceu,os prédios desapareceram, só ela é visível ! É lindo e assustador ao mesmo tempo! Ela nem faz barulho. Se desloca como se fosse um felino !

A chuva não me deprime, gosto dela, acho bonita a forma como chega, é quase um carinho. Mesmo quando causa destruição e mortes , ao ir embora, deixa o arco íris no céu. Essa chuva baiana, hoje, levou me de volta a Cruz Alta.

Eu era adolescente (morei, alternadamente, três vezes em Cruz Alta), desci (ou subi, sei lá) a Rua do Comércio, com algumas amigas, indo para casa, ao sair da escola. Pouco antes de chegarmos à Praça da Matriz, começou a chover. Uma chuva mansinha, como esta baiana.

Era um tempo anterior a decisão dos prefeitos de transformarem as praças em favelas. Cheias de barracas, vendendo coisas inúteis e provocando o maior desastre visual. Além de atraírem desocupados e marginais.

Na minha opinião, numa praça deveria apenas existir árvores, gramado, flores, bancos, pessoas, uma banca vendendo jornal,revistas e flores, para os enamorados comprarem para a pessoa amada. Poderia passar o sorveteiro, o pipoqueiro, para alegria das crianças, e mais nada !

Que saudade de Buenos Aires ! Aqueles imensos parques, o gramado limpo, árvores centenárias, crianças e cachorros correndo, pessoas sentadas no gramado lendo! Povo culto é outra coisa ! Pronto, quebrei o clima !

Voltando a praça da minha adolescência ! Sempre tive o hábito de observar detalhes e me desligar do mundo , quando algo me incomoda ou me encanta ! Nada me aborrece mais do que o excesso( de tudo, até de dinheiro) ou perturbarem um momento mágico meu! Parei de ouvir as minhas amigas ! Elas pareciam um bando de papagaios. Minutos antes, eu pertencia ao bando.

Foi absolutamente magnífica a visão que tive da praça. Fiquei sem fôlego diante de tanta beleza! Gostaria de ser Hemingway para descrever, com exatidão, o que vi e senti! Ele é um grande mestre nessa arte.

A chuva caia mansinha, como era outono havia muitas folhas no chão, a copa das árvores meio que desapareciam na névoa. Ninguém na praça! Era só eu!

Eu pisava nas folhas, como se pisasse em nuvens. Minha imaginação fértil se liberou e naquele exato momento, deixei de ser menina e me tornei mulher. Pela primeira vez na vida, pensei em beijar um homem, até então, uma coisa repulsiva, desnecessária e chata. Na minha imaginação, beijei ! Ele não tinha rosto, era só forma, caminhou em minha direção e estendeu os braços, me aconcheguei junto ao seu peito e nos abraçamos ! Senti direitinho o coração dele bater junto ao meu, senti a respiração dele na minha nuca. Eu senti o cheiro dele, algo doce e cítrico, ao mesmo tempo. Olhamos nos olhos um do outro e ele me beijou! A chuva não era mais chuva, era seda nos envolvendo sensualmente. Eu sempre soube que aquele seria um amor eterno. Naquele momento, tive uma visão do futuro. Tínhamos marcado um encontro, no amanhã, só que nenhum dos dois sabia! A partir daquele dia seríamos apenas eu e ele. A minha visão se concretizou !

Acordei do meu sonho com um safanão no braço, dado por uma amiga! Elas estavam preocupadas. Disseram que eu estava com uma cara de boba, parada, não respondia quando me chamavam. Lembro tão bem ! Sentamos num banco molhado, sem nos importarmos em sujar a roupa e nem com o horário de chegar em casa ! Contei a elas o que eu tinha visto e sentido!

Nunca mais fomos as mesmas. Nossas conversas mudaram. Começamos a avaliar os rapazes(chamar de rapazes aqueles pirralhos já era exagero) que conhecíamos, como um futuro candidato ao nosso primeiro beijo. As perspectivas não eram nada animadoras. Tínhamos certeza que eles não escovavam os dentes e nem tomavam banho diariamente. Na verdade, naquele momento, compartilhei uma experiência que nenhuma de nós havia vivenciado e mudou as nossas vidas, para sempre! Elas queriam detalhes, algo mais apimentado que um simples beijo! Eu não era tão criativa assim e nem deu tempo de irmos além, elas impediram!

Quando cheguei em casa, quase uma hora atrasada, como explicar a minha mãe o motivo já que ela sempre tinha uma catástrofe em mente? Mas deixa pra lá....

Olha só que lembranças lindas, um dia de chuva pode trazer à tona! Saudade das minhas amigas! Elas ficaram perdidas no tempo. Éramos quatro amigas, uma morreu cedo demais ! Mas depois daquele dia.......

Café?


2 comentários:

  1. A chuva dessa minha terra, assim como outras coisas daqui, trazem para mim uma boa nostalgia, uma saudade...
    O cheiro da chuva, o aviso que ela está chegando por si só povoa minha mente de boas lembranças da chegada da chuva lá no sertão onde cresci.
    Junto com a chuva e o frio, a vontade de tomar um chocolate quente feito por minha mãe. Dormir de coberto de lã em Ipirá (naquele tempo era factível, hoje apenas é memória....)
    Na Bahia, até a chuva tem o nosso jeito, uma malemolência própria, um ritmo peculiar...rs
    Seus textos tem o poder de me transportar ao (meu)passado. Revisitá-lo tem sido muito prazeroso. Obrigado!

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  2. Fico feliz com isso Carlos! É uma troca então pois vivo no seu blog dando meus "palpites"..rsrs

    Sabe que adoro essa palavra "malemolência"? Ela é tão...sexy..rsrs

    Vou usá-la, qualquer hora dessas mas primeiro preciso aprender a usar!

    Abração

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