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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

a dança das folhas



Chove lá fora, estaria tudo cinza se não fossem as folhas secas e avermelhadas das amendoeiras, executando sua dança, regidas pelo vento, em alegres revoadas. Dias chuvosos e enevoados são tristonhos. Trazem para a alma uma certa nostalgia, uma saudade dos dias ensolarados.

No vidro embaçado, desenho corações entrelaçados, dentro deles escrevo iniciais. É tão fácil apagá-los na vidraça ! Com um passar de mão eles somem. Recomeço a desenhar, tentando fazê-los o mais perfeito possível. Floreio as letras, me afasto, examino minha obra de arte, me dou por satisfeita e fico apreciando. O meu coração se enternece. A vida passa, como um filme mudo e em preto e branco.

Meus olhos inquietos passeiam pela vidraça sem perder o ballet das folhas. A chuva recomeça a cair mansinha, mas intensa, criando uma cortina de voal na minha frente, ofuscando a dança das folhas avermelhadas. Tenho vontade de abrir essa cortina com minhas mãos para poder continuar a assistir ao espetáculo.

Lá fora está frio, dentro do meu peito, a saudade dos meus dias ensolarados se instala. Com ela vem o frio e a inquietude. Lá fora, a chuva parece chorar. Aquele choro doído da saudade. As folhas não dançam mais. Elas acenam, dando adeus e vão se dispersando, vão sumindo, levadas pelo vento. Na minha frente fica o vazio do cinza. Não gosto de cinza. Adoro o colorido das telas de Gauguin . Saudade das cores intensas, dos vermelhos , dos amarelos, dos verdes e dos violetas.

Fico parada, o olhar perdido, na névoa acinzentada. As folhas vermelhas desapareceram. Chopin é uma boa pedida para dias de chuva, mas ele me deixa muito triste. Penso numa longínqua praça... Havia uma chuva intensa, eu pisava nas folhas coloridas do outono, ouvindo o estalar delas, reclamando a cada passo que eu dava. Eu me deliciava com o ballet dos guarda chuvas na minha frente, eram de todas as cores, mas predominavam os pretos. Detesto guarda chuva preto e não gosto dessa cor. Pareciam mensageiros alados de maus presságios. Todos eles deveriam ter cores vibrantes. Naquele dia, lá ao longe, eu era tão jovem! Tinha tantos sonhos.

Nunca deixem que lhes digam que não vale à pena acreditar nos nossos sonhos ou que nossos sonhos nunca se realizarão. Não deixem que lhes digam que sonhar acordada não vale, não é sonhar é apenas exagero da imaginação, uma fantasia, uma alucinação. Os sonhos acontecem. Eles se realizam.

Naquele dia, lá longe, eu caminhava e ouvia o canto da chuva, o canto da terra e sonhava. Todos os elementos da terra se comunicavam comigo. Estava em perfeita comunhão com o universo. A minha vida era um filme colorido, com direito a trilha sonora. A música estava na minha cabeça.

Eu me projetava num futuro todo construído no meu sonho e o vivenciava, ali, enquanto atravessava a praça, de pés descalço, os sapatos molhados me incomodavam, quebrando todas as regras, eu os havia tirado. Naquele dia, naquele momento, eu era livre para decidir o que fazer. Eu era dona do mundo, dona do meu mundo, como a rosa do Pequeno Príncipe. Eu não era uma rosa vaidosa, nem arrumei minhas pétalas ou fiz exigências, me bastava ser feliz. Aquele meu sonho foi uma visão do meu futuro. Aquele exato momento, eu vivi duas vezes. Uma em sonho e mais tarde na vida real. Por esse motivo, dou meu testemunho de que os sonhos acontecem! Nunca permita a ninguém, abafar seus sonhos, impedir seus voos, solo ou não. Naquele dia, me vi caminhando, de mãos dadas, com o único homem que amei na minha vida. Ele existia, hoje, embora em outro plano, ele continua comigo. Eu o vejo em todos os lugares onde há beleza, onde há suavidade, onde há alegria. Eu o encontro até nas gotas de água da chuva. Eu o vejo na vidraça embaçada. Ele mora dentro de mim.

Hoje, na janela, meus sentimentos passaram pelas quatro estações. A alegria do brotar das folhas novas da primavera, o calor do verão, a doce companhia e a quietude do outono e a solidão do inverno.

Estava parada, olhando o nada cinzento lá fora e divagando, repentinamente, minha atenção foi despertada pela presença de um passarinho no peitoral da janela. Ele estava todo molhado e logo o reconheci. É mesmo pássaro, que todas as manhãs, lá pelas seis horas, canta na minha sacada.

Nunca entendi, mas em vários momentos da minha vida, não sei se é o mesmo, mas é sempre o mesmo tipo, aparece um pássaro. Ele é bem pequeno e nas cores marrom e amarelo. Tem um canto tão delicado! Não vou questionar o motivo dele não ter procurado abrigo da chuva. Agradeci a presença dele, que logo voou e ,desapareceu, como sempre faz quando vem me ver.

A noite caiu, tudo escureceu lá fora, agora só vejo janelas iluminadas, como se fossem olhos de animais me espiando. Fechei a cortina. A vida continua.

Café?

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