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terça-feira, 10 de maio de 2011

matrix

Há dias que não adianta. A inspiração desaparece e olho o vazio. Não gosto do vazio. Não há nenhum encantamento no vazio, a não ser que você pense em preenche-lo. Nada de confundir silêncio com vazio. São coisas diferentes.

No silêncio que me refugiei, o vazio começa a me incomodar. Mas sou tão contraditória ! Sou um ser mutante, em constante transformação. Vou de zero a mil, em frações de segundo. Basta qualquer coisa que me aborreça, acionar o play.

Fui represa por seis anos, eu precisava. Não quero mais ser represa, causa muito sofrimento. Quero ser rio, quero correr livremente. Agora sou um rio caudaloso, corro em direção ao mar, rompo obstáculos, sou feliz e continuo olhando o mundo, egoísta que sou , com a mesma indiferença.

O meu mundo interior não tem preço. É nele que me refugio, ele é meu santuário. Para dentro desse mundo , levo tudo o que amo, o resto fica de fora. Mas navegar é preciso, voltei a soltar minhas velas, aproveitando os ventos brandos. Foi um erro de estratégia. Deveria ter esperado um pouco mais. Enfrentei ventos fortes, o tempo não estava tão calmo como aparentava. As aparências enganam.

Acredito que todos nós nascemos para sermos felizes, para vivermos longe do sofrimento, no entanto isso é uma utopia. Não conseguimos ser feliz o tempo todo e, é impossível escapar do sofrimento. A espada de Dâmocles está sempre pendurada sobre nossas cabeças, estamos sempre correndo riscos.

Domingo foi dia das mães , o meu dia foi tranquilo, estava com meus filhos, como sempre estou. Enquanto almoçava com eles eu os observava conversarem. Ele são amigos, se amam e convivem harmoniosamente. Nem sempre foi assim. Brigavam muito, quando menores, um tinha ciúmes do outro. Nesse tempo, quando passavam dos limites, a minha frase preferida era: - "me arrependo de não ter vendido vocês para Israel quando pequenos". Não faço a menor ideia de onde surgiu essa frase. Até hoje é motivo de brincadeira entre eles.

Olhava para eles com orgulho e pensava nos filhos que não tinham mais suas mães. Esse deve ser um dia de sofrimento para eles. Um sofrimento causado pela ganância dos homens. Hoje, lia no jornal , sobre a alegria dos comerciantes com o aumento das vendas. Mãe precisa de um dia especial para ser homenageada? A minha eu homenageio diariamente, com meu amor e respeito. Meus filhos me homenageiam diariamente. Presente representa alguma coisa? Eu vi filhos comprando de última hora, flores para suas mães. As mais feias, as quase murchas, foram as que sobraram.

Não estou julgando mal esses filhos, talvez não tenham tido tempo ou quem sabe dinheiro, para anteciparem a compra. Mas um abraço carinhoso, um beijo, a sensação de que a mãe é realmente amada, substitui qualquer presente, por mais caro que seja.

Já me manifestei que sou contra todas essas datas comemorativas, tipo dia das mães, dos pais, dos namorados , de finados, da mulher, dos índios, da raça negra. São comerciais ou políticas, nenhum desses interesses substituem o afeto e o respeito. Pensava nos filhos sem mãe nesse dia. Pensei na morte. Pensei no meu confronto final com ela. Eu não tenho medo da morte, eu detesto o rastro de destruição que ela deixa atrás de si pelos lugares que passa.

A morte parece um enorme urubu, sobrevoando nossas cabeças e nos ameaçando. Eu a considero obscena e nojenta. Ela causa dor, sofrimento e separação. Ninguém deveria morrer e sim ficar encantado, como disse Guimarães Rosa.

Todo o ritual que a morte exige é apenas um plus a mais no sofrimento. Desde o momento que o médico te olha com um ar de perdedor e diz: -"sinto muito, fizemos o que foi possível, mas não foi o bastante." Uma fala que você já viu inúmeras vezes, mas no cinema. Acho que os médicos são pouco criativos, eles copiam a fala do ator e transportam para a realidade.

Nesse momento, você olha para o médico e fica pensando que é uma piada de humor negro. Você o acusa de estar mentindo. É apenas uma fala cinematográfica, você pensa consigo mesma. Ai você vê o corpo passar, com o rosto coberto, igualzinho ao que acontece nos filmes. Pronto, unidunite o escolhido foi você, essa brincadeira infantil ressoa na minha cabeça ! Nesse momento a ficha cai. Não era uma piada e sim um fato.

Desse momento em diante, deixamos de ser nós mesmos. O mundo para, as pessoas que estão ao nosso redor deixam de existir. Fiquei como o corvo de Poe, só repetindo, sem parar : "- never more". Eu gostava desse poema, hoje detesto pois o compreendo, eu o sinto.

Sem que eu tivesse pedido, sem me manifestar concordando ou não, por pena com certeza ou para evitar que eu fizesse um escândalo, começaram a me dopar. Só lembro de médicos e amigos me dando pílulas, isso no começo, no final do ritual eu estava definitivamente fora do ar. Não lembro de quase nada e nem pedi relatório para ninguém, do ato final.

A morte é exigente, precisamos seguir o protocolo. Todo o cenário para o último ato foi resolvido por uma amiga e os amigos do meu marido. Meus filhos e minhas irmãs estavam longe, demoraram para chegar. A mim coube a tarefa de escolher uma roupa para vesti-lo. Escolhi a mais bonita, mas me devolveram. Tinha que ser uma roupa preta , camisa branca, gravata, sapato e meias pretas também. Me vesti toda de preto, não por luto, mas para ficar igual e ele. Eu detesto o preto. Depois disso, só tenho alguns flashes registrados. Lembro de murmúrios, de pessoas falando comigo, eu não identificava rostos e não entendia as palavras que diziam.

Desse dia nefasto, tenho apenas dois momentos bem vívidos e marcantes na minha memória. O primeiro foi a chegada dos meus filhos, da dor e do choro deles. Queria pegá-los no colo, beijar e dizer que a dor logo passava, como eu fazia, quando eram pequenos e se machucavam. Precisei impedir minha filha de tirar as flores que cobriam o pai. Eu já havia tentado fazer isso mas alguém me impediu.

O segundo momento foi a chegada de uma das minhas irmãs. Essa irmã é especial para mim, não que os outros não sejam, mas ela é diferente, eu ajudei a cuidar dela. É mais filha que irmã, temos dez anos de diferença, ela fez um aninho em maio e meu outro irmão nasceu em junho. Precisei ajudar minha mãe.

Eu estava perdida naquele salão imenso, só via escuridão ao meu redor. Os meus filhos, percebi a chegada deles, por pura intuição de mãe. Essa minha irmã especial, também atraiu meu olhar quando chegou. Eu olho para a porta e vejo lá fora luz, o sol iluminava a rua e jogava seus raios contra a porta. Ela veio caminhando lentamente, pelo corredor central, em minha direção, como se trouxesse a luz com ela. Toda vestida de preto. Eu olhei e sorri. Isso mesmo, no meio de tanta desgraça ela me fez sorrir. Quando chegou perto de mim, sem saber o que falar, eu perguntei a ela :"- não vai fazer nenhuma evolução?" Ela não entendeu, precisei explicar que quando vi sua figura negra, com um casaco longo, de couro, contra a luz da porta, lembrei na hora do Neo, do filme Matrix. Ela riu , lembramos que quando nosso pai faleceu, estávamos juntas também e não sabíamos como nos comportar diante da situação. Nos abraçamos e começamos a rir, de nervosas, de desesperadas. Na semana seguinte, foi ela e a minha outra irmã que nos sustentaram, que nos deram colo , beijaram nossos machucados e ainda nos fizeram rir.

Espero ter finalizado meu circulo de dor. Acho que agora posso navegar mais tranquila, porém nunca vou gostar dos dias das mães que virão pela frente, sempre vou pensar nos filhos que perderam suas mães.

Café?

4 comentários:

  1. Olá, Tariza

    Na minha opinião, a melhor coisa a fazer é trancar essas memórias em alguma gaveta poeirenta da memória, lacrar com chave e depois mastigá-la. Toda vez que penso em abrir a gaveta lembro que a chave não existe mais. A ferida não sara se ficarmos sempre cutucando-a. Imediatamente ocupo a cabeça com outras coisas.
    Para os males que não existe cura, viva a pílula do escapismo!

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  2. Eu sei que você tem razão, mas eu precisava fechar esse círculo.Não sou mais represa, sou um rio agora, corro sinuosa e minhas águas são cristalinas, além disso cantam...rsrs
    Ah, quanto ao escapismo, sou mestre rsrs
    Um abração

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  3. Olá, Tariza! Faz tempo que não vejo um novo post por aqui. Tudo bem contigo?

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  4. Como sempre você é um amigo atencioso. Estou em São Paulo, recarregando as energias.Logo estou de volta. Um abraço

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