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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

ondas de calor


Ondas ! Isso mesmo, pareciam ondas, só que de calor. Moviam se lentamente , eu sentia meu corpo rodopiar , como uma folha solta na ventania.

Imensas ondas de calor me envolviam, me absorviam, me sufocavam. Não conseguia respirar! O ar quente entrava por minhas narinas, ia direto aos meus pulmões, queimando tudo, ressecando tudo. Pensei em meus pulmões como se fossem aquelas tristes árvores calcinadas, no fim do incêndio. O tronco preto e sem nenhuma folha..

Minha boca ressecada se abria, na vã tentativa de encontrar ar. Meus olhos ardiam. Minhas forças chegavam ao fim. Ao meu redor , tudo era avermelhado, não havia cheiros , sons ou formas. Era o vazio povoado. Só o vazio avermelhado estava ao meu redor. Estava me matando por asfixia. Parei de lutar. Parei de me debater. Uma forma escura e alongada passou por mim, tão rápido! Parecia se deslocar na velocidade da luz. Agora, nada mais importava. Eu não tinha mais forças.

Subitamente houve uma mudança. O calor desaparecera, eu respirava tranquila, ouvia o vento. Pensava lá comigo – certo, devo ter morrido ! Chegara o grande momento, descobrir o lado de lá. Eu nunca acreditei nele, mas não havia outra explicação. Devo ter morrido, isso era um fato.

Nenhum sentimento me rondava além da aceitação. Não estava assustada, não tinha medo, não sabia como tudo começara e nem estava curiosa . Estava em suspense , flutuava em outro espaço.

Aos poucos, percebi que estava deitada no chão, minhas mãos começaram tatear e senti a grama. Medo de abrir os olhos ! Fiquei mais um pouco quieta, olhos fechados, preocupada apenas em respirar. Se respiro, logo existo, parafraseei Descartes. Ou será que do lado de cá, agora, continuamos respirando? Penso, logo existo, então não posso estar morta. Ou estou? Oh dúvida cruel !

Me encho de coragem e abro os olhos, não aos poucos, abro simplesmente e lá no céu, o azul de sempre com algumas nuvens. Viro a cabeça e raios de sol me cegam. Tudo igual ao lado de lá então, pensei. À minha esquerda, uma muralha de árvores, tão altas quanto os eucaliptos, eu não as conhecia. À direita, o campo extenso que subia uma pequena colina, nada mais.

Decidi sentar e lá estava ele. Sentado, com as costas apoiadas no tronco de uma árvore, tranquilamente descascava um pedaço de raiz , com algo parecido com um canivete. A esta altura dos acontecimentos, nada mais me espantava.

Ele me ignorou. Comecei a analisar a figura estranha. Nem alto e nem baixo. Nem feio e tão pouco bonito. A barba precisava ser feita e a vestimenta era muito estranha. Calçava longas botas. Comecei a rir, se tivesse uma capa sobre os ombros e um chapéu com plumas na cabeça, pareceria a ilustração do Gato de Botas.

Dei uma rápida olhada na minha roupa, poderia ser que eu estivesse vestida de Branca de Neve. O céu poderia ser uma grande livro de histórias infantis e eu a mais nova personagem. Minha roupa continuava a mesma, minha calça jeans, minha camisa azul e meu tênis branco da Nike, comprado dos coreanos.

Quando comecei a rir ele, pela primeira vez, se dignou a olhar para mim. Seu rosto era comprido, olhos negros e aquela sobrancelha grossa e preta lhe dava uma aspecto carrancudo.

-Do que ri mulher? Pergunta com uma voz grave demais para o corpo tão franzino. Achei prudente não dizer nada, respondi com uma pergunta:

- Onde nós estamos?

- Não sei, disse ele.

-Como não sabe?

- E você sabe, questiona ele?

- Se soubesse não teria perguntado, não é óbvio? Descobri que nenhum dos dois sabia nada, decidi mudar o rumo da conversa.

- Quem é você, é um ator? Trabalha ou trabalhava , sei lá, em algum filme de época?

- Sou um assassino e calmamente continuava a descascar a raiz.

- Não pensa em me matar não é? Seria perda de tempo, acho que já estou morta.

- Você é muito insignificante para me interessar, mas posso mudar de ideia se continuar a fazer perguntas.

- Bom, pela primeira vez me sinto agradecida por ser insignificante. Posso fazer só mais uma pergunta? A última, prometo. Pensava na forma alongada e escura que passara por mim, queria alguma explicação e ele parecia não estar disposto a falar.

Ele ficou pensativo, cortou a raiz pelo meio e me ofereceu a metade, colocando a sua parte na boca e começando a mastigar. Peguei meio receosa e não queria perguntar mais nada, ele havia dito que era um assassino e me ameaçara seu continuasse a fazer perguntas.Tornei a olhar para as mãos dele. Eram pequenas, quase femininas, mas estavam limpas !

Ele levanta, flexiona as pernas e braços , espreguiça-se como um gato , estende seu olhar para todas as direções. Fica parado , imóvel, olhando, emite um assobio, como se chamasse algo ou alguém. Fica atento alguns momentos e torna e me olhar.

- Não sei o que aconteceu ! Cumpri com êxito a minha missão e falhei na fuga. A última coisa que me lembro é de sentir a bala rasgando meu ombro, o cavalo foi acertado também , caímos, rolando o barranco. Depois vi você deitada, dormindo. Estava com muita sede, não vi água mas achei esta raiz, ela ameniza a sede, pode mastigar sem medo.

- Você não tem sinal algum de ferimento e não há sangue na sua roupa! Posso mesmo mastigar esta raiz? Estou com sede mas tenho medo. Não vai me provocar mais alucinações?

- Eu já mastiguei a minha, apenas acabou com minha sede e se estiver morta, que diferença fará? Quanto ao ferimento que deveria existir, eu já percebi que não existe sinal, e isso me deixa meio confuso. Se morri, por que meu cavalo não veio comigo? O tiro foi real e a queda também.

- Talvez cavalos não entrem no céu, ponderei.

- Eu matei um homem, você já ouviu dizer que assassinos vão para o céu? De onde você tirou essa bobagem? Quem disse que estamos no céu? Ignorei a falta de educação dele, ambos estávamos confusos!

- Quem você matou ? Arrisquei uma pergunta.

- Já disse para você não fazer perguntas. Os meus assuntos interessam só a mim e não a uma mulher estranha, vestida de homem . Está viajando disfarçada?

Quase entro no debate sobre direitos femininos, cavalheirismo e coisas parecidas, mas desisti. Ele era estranho, assassino assumido e estava armado. Comecei a pensar no que ele dissera e no que me acontecera. Será que a ficção se tornara realidade e estávamos num mundo paralelo? Começara a descartar a ideia de que estava morta e viera para o céu.

O mundo ao meu redor, embora desconhecido para mim, era igualzinho ao mundo que eu conhecia: terra, grama, árvores, céu, sol, calor, pássaros, vento. Eu sentira sede, amenizada pela raiz que mastigara, estava confusa, começava a sentir medo. Eu no céu seria outra grande piada, sequer acreditava nele ou em outro mundo habitado por espíritos. A explicação deveria ser científica, algum portal se abrira no tempo e eu o atravessara, essa explicação me parecia mais lógica. Todo meu conhecimento sobre portais do tempo tinham embasamento em filmes que assistira, logo minha tese não possuía nenhum valor. Minha cabeça começava a doer e eu estava com fome.

- Vai responder ou não mulher ? Eu começara a me irritar com ele me chamando de mulher.

- Meu nome não é mulher, é Joana , mentindo para ele. Não estou disfarçada de homem, minha roupa é feminina e não estava viajando, não lembro o que fazia antes de aparecer aqui. Relato toda minha experiência para ele que absolutamente nada tinha de parecida com a dele. Desconfio que ele era a forma alongada que passara por mim.

- Espero que as mulheres de onde você vem não se pareçam com você ! Muito mal humorada, nada meiga ou gentil e nunca sorri. Você tem dentes? Costuma pentear os cabelos?

Por alguns segundos, todo o sangue do meu corpo subiu para a cabeça. Fiquei em pé e adorei saber que ele era baixinho, não tinha mais de 1,70 de altura. Criei coragem e respondi:

- Para começo de conversa, no meu mundo, qualquer homem teria estendido a mão para me auxiliar a levantar (menti pela segunda vez), não vejo motivo algum para sorrir, ser meiga ou gentil. Estou na maior confusão mental e você querendo que eu seja educada e gentil? Ainda sorria para você? Já se deu conta que seu cheiro é insuportável? Está me dando dor de cabeça. Além do mais a companhia de um assassino não é algo que me deixe segura. Quanto aos meus cabelos, no mundo de onde venho é moda, ninguém costuma pentear os cabelos. Siga seu rumo que eu sei cuidar de mim mesma. Não preciso de você. Ele deu uma gargalhada, virou as costas e encaminhou-se para a floresta das árvores altas, deu alguns passos , voltou a cabeça em minha direção e caminhando me disse:

- Espero que saiba realmente cuidar de você mesma, boa sorte! Sumiu entre as árvores.

Voltei a deitar no chão e fiquei olhando para o céu. Comecei a me sentir sozinha e com medo. Tenho pavor de todo animal que rasteja e que voa, não sendo passarinho ou borboleta. O que fazer agora ? Olhei em direção à colina e meu sexto sentido me alertou que era para lá que eu deveria ir. Levantei e fui ao encontro do meu destino, seja lá qual for.

Uma pausa para um café.

Café?

2 comentários:

  1. Isso foi muito estranho... Na confusão, tu deve ter mascado raízes de algum shamã. rsrsrs
    Gostei do texto.

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  2. Poxa Henrique, entrei para excluir o texto , encontrei seu comentário, precisei desistir.

    Lembre se que só masquei a raíz depois da confusão...rsrs

    Tem continuação, mas não vou publicar..

    ResponderExcluir