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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

a noiva suicída


O sol estava a pino quando elas tiveram a brilhante ideia de observar in loco, onde ocorrera a tragédia. O sol ardia. Estava tão seca a estrada de terra batida que  os torrões de terra se esfarelavam sob nosso pés, e as nossa pegadas levantavam poeira.


Enquanto elas reclamavam, nós, as crianças, saltitávamos como cabritos, levantando mais poeira ainda. Logo vimos a ponte. Já havíamos passado por ali, inúmeras vezes e tanto a ponte quanto o riacho que corria preguiçoso em baixo dela, nunca nos chamara a atenção. Agora tudo mudara. Aquela era a ponte, o local onde uma tragédia ocorrera. Parecia que a estrutura da ponte se modificara e o riacho que corria em baixo se transformara num rio.

Enquanto minha mãe e minha tia tagarelavam sem parar, cada uma segurando a mão de um dos meus irmãos, eu livre, me debruçava sobre o parapeito da ponte. Meus olhos esquadrinhavam os arredores , em busca de algo que pudesse tornar aquela ponte interessante. Lá em baixo  o riacho. Vontade de molhar os pés, a cabeça, o corpo inteiro! Pular nas pedras redondas e lisas, sobre as quais a água corria. Já era esperta o suficiente para não pedir tal coisa.

Resolvi prestar atenção na conversa delas para ver se salvava meu dia. Ouvi a palavra suicídio. O que é suicídio? É se matar, disse minha mãe. Ai comecei com  minhas perguntas. Quem se matou? Por que alguém se mataria?  Onde estava o corpo? O que era tragédia? O que era uma noiva? O que era infelicidade o oposto de felicidade? Fui filosofando e elas respondiam, quando queriam ou sabiam a resposta.

Fiquei importunando até entender, ou quase. Naquela ponte, uma moça que morara no sitio, onde hoje nós morávamos, se matara. Voltava de um baile com o noivo, brigaram e ela pulou do parapeito da ponte. Havia vários elementos para tornar a tragédia pior ainda. Era filha única, casaria logo, todo o enxoval estava pronto, até mesmo o vestido, frisavam elas. 

Como o corpo não estava presente, elas perderam o interesse e eu soube o que era felicidade. Sair daquele local sem graça e ir pra casa tomar limonada. Às vezes, a felicidade é uma coisa simples assim.

Naquele dia, definitivamente, aquelas duas decidiram deixar a rotina de lado. Tarde quente, sentaram à sombra e recomeçaram a falar sobre a noiva suicida. Elas deviam levar uma vidinha bem monótona , isoladas naquele sítio. Meu pai e o noivo da minha tia, só vinham  na quarta-feira e fim de semana. Chegavam a cavalo. Nós tínhamos aquele mundo mágico ao redor, cheio de árvores frondosas, boas para serem escaladas. 

Naquele dia, decidiram abrir o quarto proibido. Quando nos emprestaram o sítio, para passarmos o verão, a condição era que aquele quarto deveria ser respeitado, nele estavam guardados objetos pessoais e o enxoval da filha deles, a noiva suicida. Na verdade eram dois quartos, perto da casa principal, onde estávamos instalados. Em baixo deles ficava o  ninho das galinhas. Deveria ser por praticidade, do ninho para a frigideira.

Quando elas conseguiram abrir a porta do quarto proibido, meus olhos brilharam, havia maravilhas lá, esperando por minhas mãos ansiosas. Em seguida senti o cheiro. O cheiro forte de madeira, o cheiro forte de um perfume, Madeiras do Oriente. Detestei aquele cheiro, até hoje não gosto de cheiro de madeira. Pendurado num gancho, preso no teto, estava o vestido de noiva. Pavorosa a imagem, parecia que a noiva estava enforcada, bem ali.

Depois que elas mexeram em tudo, satisfeitas, voltaram a trancar o quarto. Sem que elas percebessem, peguei em uma gaveta, dois leques, daqueles de papel. Tinha adorado a paisagem estampada neles. Voltamos a nossa rotina.

Era uma sexta-feira, pois esperávamos a chegada do meu pai , à noite. Após o banho e o jantar, minha mãe ficava religiosa, sempre dizia: _"Graças a Deus, vou por essas crianças para dormirem e descansar um pouco!" Meu pai se dizia agnóstico e minha mãe não era nada. Aliás, a única vez que minha mãe foi a uma missa, foi a de sétimo dia do meu pai (ideia de minhas irmãs)e decididamente, não foi uma boa ideia, minha mãe xingou o padre, no final da missa.

Às vezes, eu tinha autorização de ficar junto a elas após o jantar. Elas bordavam o enxoval de minha tia e eu lia um imenso livro que havia ganho de presente de meu pai. Foi um prêmio por ter aprendido a ler antes de todos meus colegas. Era uma coletânea de contos infantis . Eu adorava as histórias dele, mas era muito pesado, eu precisava apoiá-lo na mesa para poder ler.  Hans Christian Andersen, me deliciava com seus contos, desde O Soldadinho de Chumbo até A Pequena Sereia.Tenho esse livro até hoje.

Cheguei faceira, feliz por poder sentar entre as mulheres adultas da família. Quando sento, pronta para ouvir as tagarelices delas (eu adorava), minha mãe me olha e pergunta pelo livro, eu havia esquecido (de propósito), , tive que ir buscá-lo.

Quando voltei, em vez de me dirigir a rodinha das mulheres, fiquei parada, olhando, muito interessada para elas. Tão interessada que chamou atenção de minha mãe.
-Que você está olhando menina? Eu estava surpresa. Não tinha ouvido ninguém chegar e sentada, junto a elas, havia uma moça chorando. Educadamente dei boa noite a visita e ganhei um sorriso dela, que logo voltou a chorar. Me dirigi ao grupo  e sentei ao lado de minha mãe, sem tirar os olhos da visita, esperando que ela falasse comigo. Não tínhamos autorização de nos intrometer nas conversas dos adultos, só poderíamos nos manifestar se eles falassem conosco. A moça não falou, nem comigo e nem com elas, só chorava. Abri o livro e comecei a ler, com ele no colo mesmo.

Minha mãe, levanta a cabeça do bordado que fazia e me pergunta o motivo de eu ter dado boa noite. Respondi que havia cumprimentado a visita. Ela me olhou preocupada, pensando que com certeza eu havia batido com a cabeça. Mandou que eu parasse de dizer bobagem senão iria para a cama.continuei a ler meu livro.

Repentinamente, as duas começaram a ouvir o choro. Pensaram que fossem os pequenos, mas eles dormiam tranquilamente. Levantaram a hipótese de que poderia ser o Anolino, um homem adulto com a cabeça de um  menino de oito anos. Ele vivia no sítio e fazia o trabalho pesado. Era companheiro inseparável de um cachorro vira lata que parecia um galgo, o Sereno. Espiaram mas nada viram , o choro era da moça e estava dentro de casa. Minha mãe, já assustada, perguntou se eu continuava a ver a moça, respondi que sim, mas ela estava quietinha, só chorava.

Minha mãe me pegou pelo braço e correu para o quarto onde os pequenos dormiam. cada uma delas pegou um no colo e se aprontaram para correr. Ela me dizia para segurar na saia dela. Não faço a mínima ideia para onde pretendiam correr. Quando já estavam chorando também, ouvimos o trote dos cavalos, meu pai e o Cirino estavam chegando.

Ao se aproximarem da casa, os cavalos se assustaram e começaram a relinchar , se recusavam  ir em frente. O Sereno resolveu aparecer, chorando também. Os dois desceram dos cavalos, com a arma numa mão e a lanterna na outra, começaram a vasculhar  ao redor da casa. Nada encontraram.

Quando meu pai entrou, dentro de casa , foi um alívio para as duas. Foi relatado a ele o que havia acontecido. Ele me olhou sério e perguntou se a moça continuava lá. Fui espiar e não a vi. Elas não disseram que haviam entrado no quarto proibido. Sabiam que me pai se aborreceria. Fomos todos dormir.

Meu pai adorava comer ovos quentes ou fritos no café da manhã. Mandou o Anolino buscar. Ele foi e voltou sem os ovos. Disse que havia uma mulher chorando no ninho das galinhas. Fui a próxima escolhida. Também voltei sem os ovos, pelo mesmo motivo. Meu pai já se zangou, ele estava preparando o café e não queria ir lá. O Cirino se ofereceu. Foi e voltou com os ovos, mas disse também ter escutado o choro de uma mulher. Ele e meu pai conversaram  à sós, por alguns momentos.  Entramos todos para tomar o café da manhã, nesse dia, com ovos mexidos.

Quando estávamos todos à mesa, meu pai perguntou se tinhamos entrado no quarto da moça. Minha mãe e a irmã, pegas de surpresa, não tiveram como negar. A segunda pergunta foi cruel, queria saber se havíamos pego algo. Eu logo me entreguei, disse que havia pego os leques. Minha tia confessou que havia pego uma toalha, para copiar o desenho. Ele mandou que colocássemos tudo no lugar, logo após o café.

O Cirino, noivo de minha tia, era o único religioso no grupo, espírita na verdade, e ele viu a moça também e entendeu o motivo do choro dela. 

Após termos colocado o que não era nosso de volta, nunca mais ouvimos a moça chorar. Eu a vi mais duas vezes. Numa, ela sorriu para mim, na outra, caminhava tão angustiada que nem percebeu minha presença.

Café?







 

6 comentários:

  1. Olá, Tariza!

    Dizem que as pessoas de peixes tem mais sensibilidade para entrar em contato com outras dimensões.

    Eu já vivi eventos semelhantes,assustadores, mas ao mesmo tempo gratificantes. Sou agnóstico como o teu pai, em relação a Deus, embora acredite nos preceitos espíritas e em vida após a morte. Deus para mim é um "sistema côsmico" que rege essas leis. Não creio em um Deus que julga ou nos protege, mas sim, uma força universal em andamento, neutra e indiferente como o carma, a lei de causa e efeito e a Teoria do Caos.

    Para mim, Deus é a Teoria do Caos.
    Deus é o carma.
    Deus é "causa e efeito".

    Todavia,ainda que essa experiência tenha sido assustadora para ti, eu achei muito inspiradora e instigante.

    Parabéns pelo texto. Excelente como sempre!!!

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  2. Como é bom ter um amigo como você!

    Aos 7 anos eu não tinha a noção de morte, então nada me apavorava. Eu era uma menina muito corajosa.

    Todas as pessoas (?) que vi, ao longo da vida nunca me assustaram, aparecem de forma tranquila e não falam comigo, a maioria apenas sorri.

    Eu, definitivamente, não me preocupo com elas e nem investigo o motivo que as levam a me procurar. Convivemos de forma harmoniosa.

    Mudando de assunto, um abração imenso para vocês! Entre milhares de blogs, ficar entre o 30 mais votados, já é motivo de orgulho.

    Estou em campanha política por vcs...........!

    Que Serra, que Dilma que nada ! Votem no Cruzaltino !

    Um abraço

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  3. Olá, Tariza!
    Vou te responder aqui, só para não começar fazendo propaganda negativa sobre meu próprio trabalho no meu próprio blog. rsrsrs
    Até o momento, o livro está à venda apenas no site da editora www.biblioteca24x7.com.br.
    Logo estará no amazon.com e no mercadolivre.
    E assim que eu receber a primeira remessa, venderei também no meu blog.

    Agora a propaganda negativa: achei que a editora exagerou no preço. Tá caro demais. Mas já estou reclamando. Bom, em último caso, vou ter que comprar meus próprios livros para revendê-los a preço de custo. Aí sim, seria mais justo, ao meu ver.

    Gostei da propaganda "Que Serra, que Dilma!"
    Cheguei a imaginar o Cruzaltino de terno e gravata abraçando o Tiririca! rsrsrs

    Obrigado pelo interesse, Tariza!!!!
    Henrique Madeira

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  4. Oxe ! Comparar o Cruzaltino ao Tiririca? Cruzaltino lê até Shakespeare!

    Quanto ao preço do livro, está dentro da média.

    Vou divulgar para todos meus contatos a editora e o preço. Os meus amigos gostam de ler.

    Um abraço e sucesso, você merece.

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  5. Amiga, nem sei o que dizer...
    Amo tuas histórias e cada vez que leio mais saudades sinto dos nossos papos.
    Amanhã estarei com a Vera em Santa Maria, imagina o quanto vamos falar em ti. hehe
    Agradeço os comentários no meu blog.
    E já votei no CRUZALTINO, obrigada por me lembrar.
    Abraços!!!
    Chimarrão???
    rsrsrs

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  6. Prefiro café ! Chimarrão é democrático demais para meu gosto ! Ecaaaaaaa

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