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domingo, 20 de fevereiro de 2011

o último baile



Por todos os lugares por onde andei, fui colhendo lembranças. Lembranças boas, outras nem tanto. Pessoas boas outras nem tanto. Tenho como filosofia de vida, nunca gastar minhas energias ou tempo com lembranças e pessoas descartáveis, essas simplesmente deleto. As lembranças ruins e as pessoas más, devem ser descartadas. Tudo o que não nos faça bem, deve ficar no lugar certo - no lixo.

As boas lembranças guardo todas no meu baú de recordações. Quando me perco de mim mesma, o melhor lugar para me reencontrar, ainda é dentro de mim. Quando me busco, na minha verdadeira essência, arrasto meu baú de recordações do sótão, limpo as teias das aranhas e procuro a minha bússola. Só ela para me indicar o rumo seguro. Uma lembrança triste pode ser, muitas vezes, uma boa lembrança. Não há nada de controverso nisso.

Ontem remexia no meu baú, bem lá no fundo, encontrei uma lembrança adorável - meu primeiro baile. Não foi na minha festa de quinze anos, que por sinal foi muito linda, não esqueço meu vestido branco , com uma faixa de cetim azul marinho na cintura, meu primeiro sapato de salto alto e do bolo, que era um primor da "arquitetura doceira", um pombal . Não havia uma boneca representando a aniversariante, tão pouco uma princesa ou a Cinderela - só pombas e mais pombas, pousadas na casinha delas e na cerca do jardim. A única coisa que indicava ser um bolo de quinze anos, eram as velas cor de rosa.

A festa tinha tudo para ser um sucesso, mas para mim, foi um tédio só. Não tinha autorização para sentar, poderia amassar o vestido, tinha que ficar sorrindo o tempo todo, aguentar todos os apertões nas minhas bochechas, como se eu estivesse fazendo um ano e lá pelo meio da festa, os sapatos estavam me deixando desesperada. Meus pais permitiram que eu convidasse apenas quatro amigas, meu irmão, três amigos. Todos os demais convidados eram adultos, amigos de meu pai. O melhor momento da festa foi quando ela acabou e tirei os sapatos. Meus pais faziam comentários, orgulhosos de mim e da festa. Meus pensamentos em relação a eles e a festa seriam mal recebidos, se eu dissesse a verdade.

De todos os filhos, sempre fui a mais rebelde, os outros eram mais dóceis. Eu questionava ordens, vivia quebrando as regras, mas de boba não tinha nada. Sabia bem até onde eu poderia ir . Bom, meus pais nunca disseram que lá em casa era uma democracia. Eles mandavam e nós deveríamos obedecer. Sempre fui anarquista e sempre detestei ordens. Fiz meus motins, mas sempre paguei o preço. Mas no dia do meu aniversário, não era o momento. Aquela festa não é uma lembrança ruim, é muito boa. Ela implicou em muito esforço deles e gastos, para me fazerem feliz. O gesto foi lindo, mas a aniversariante errada, sempre detestei festas e presentes.

Lembrei agora, quando comecei a namorar, meu primeiro e único namorado, meu pai foi contra, eu tinha apenas dezesseis anos. Quando falei em casar, com certeza, não teria casado se minha mãe não estivesse do meu lado. Os empecilhos que meu pai apontava eram a nossa diferença de idade, dez anos, eu ser menor de idade e ainda estar na escola. Ora, o que são dez anos? Briguei muito e venci, eu estava apaixonada. Venci por minha mãe ter me apoiado, sei bem disso. Foi minha melhor batalha, como fui feliz !

Quando fui com ele, na nossa última jornada na terra, juntos, até o cemitério, fiz uma amiga ler para ele o poema Blues Fúnebres, do Auden. Eu não tinha condição de falar mas tão pouco chorei, aliás, até hoje não chorei (qualquer hora vou precisar chorar meu luto) e, tudo o que eu queria dizer a ele, estava escrito no poema. Falhei com ele, não suportei ficar até o final da cerimônia. É a única culpa que carrego em relação a ele.

Mas vou falar sobre o baile. O meu primeiro baile, foi ele quem me levou, com direito a orquestra e tudo. Um deslumbramento só. Uma noite magnífica e inesquecível. Não esqueci da sensação boa de estar dançando bem abraçada a ele, sentir seu coração bater junto ao meu, do seu perfume e de sua respiração no meu pescoço. Ele adorava dançar . Eu usava um vestido azul e branco, longo, sapato branco, com salto dez, para ficar mais perto do rosto dele.

O nosso último baile, foi quatro meses antes dele partir, eu usava um vestido branco com azul, sapato branco. E emoção era a mesma do primeiro baile. Como eu amei esse homem !

Já estávamos saindo do baile, quando começou a tocar a música "Close to you". Ele segurou meu braço e perguntou: "-Você lembra dessa? Vamos fazer da nossa primeira música a nossa última dança." Claro que lembrava, foi a primeira música que dançamos, mas nunca pensei que as palavras dele seriam proféticas. Achei que fosse a última dança, daquela noite. Nunca imaginei que seria a da vida inteira ! Que estranha coincidência !


Estou morrendo de saudade dele hoje e não consigo chorar ! A música hoje é para nós dois.

Café?

2 comentários:

  1. Olá, Tariza! Casar com o primeiro namorado é algo bem comum para os piscianos. Mas não sabia que tu tinha perdido ele. Faz muito tempo? Ele foi o pai dos teus filhos?

    Olha, eu devo ter algum distúrbio em relação ao passado. Não gosto de lembrar coisas ruins e tampouco as poucas coisas boas.
    Sei lá... Até as coisas boas possuem um sabor amargo, pois não existem mais.

    Não consigo me ver como certas pessoas que gostariam de reviver a infância, a adolescência ou os anos de faculdade. Tudo que desejo é ver o que virá adiante. Estou mais interessado na catarse da história. Também não concordo quando dizem que a vida passa rápido. A minha, pelo menos, passa tão rápido quanto um paralítico completando a São Silvestre. Bem, o tempo é relativo, né?

    Fiquei tocado com sua história.

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  2. A nossa história de amor foi escrita nas estrelas. Tivemos uma história tão linda, tão plena, tão feliz que é para sempre. Definitivamente não há, em minha vida, espaço para mais ninguém.Ainda sou apaixonada por ele.

    O mais interessante, que no último ano de vida dele, fizemos coisas que nunca tínhamos feito antes,tipo, tirarmos dois meses de férias,viajando, na estrada. Hoje, parece que ele estava se despedindo.

    O poema por exemplo, eu cheguei de viagem sábado de manhã,tinha ido visitar minha mãe, o livro com o poema estava sobre a mesa (incomum)eu o peguei e li para ele, enquanto tomávamos chimarrão. Disse que gostaria que ele lesse para mim ,quando eu morresse. Ele me achou muito da sem graça. Domingo de manhã, ele estava morto.Assim, simplesmente assim.

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