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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Salvador preconceituosa? Imagina!

Que cidade estranha e encantadora Salvador! Ela sempre me surpreende por sua beleza e suas estranhezas. Quem diria que eu encontraria preconceito nesta cidade que se declara só alegria! Mas há! E como ! A maior alegria de Salvador mora apenas na propaganda do governo.

Preconceito contra religiões de raízes africanas no sul ou sudeste, não é certo, mas compreensível. Não é tão comum e localizam-se só na periferia. Mas aqui, onde elas surgiram? Não dá para entender. E existe !

Ah a religião! Religião aqui é algo muito especial e só deles. O baiano é muito religioso. Nada de preconceito com eles. Nada de rotularem o povo de macumbeiros. Quando cheguei aqui, nem sabia que existia diferença entre a Umbanda e o Candomblé. Continuo não entendendo nada.

Nunca foi assunto que me interessasse, logo não tinha informação alguma. Ganhei um livro de presente de uma amiga, com um alerta :"se vais a Roma, pense como os romanos". Tentei ler o livro explicativo sobre os orixás. Fiquei só na introdução. No livro há menção de 600 orixás primários, divididos em duas classes, os 400 dos Irun Imole e os 200 Igbá Imole, sendo os primeiros do Orun ("céu") e os segundos da Aiye ("Terra"). Estão divididos em orixás da classe dos Irun Imole, e dos Ebora da classe dos Igbá Imole, e destes surgem os orixás Funfun (brancos, que vestem branco, como Oxalá e Orunmilá, e os orixás Dudu (pretos, que vestem outras cores, como Obaluayê e Xangô. Nem sei o que estou dizendo, copiei isso do livro.

Desisti. Além de decorar aquela centena de nomes, ainda precisaria saber falar africano. Pelo pouco que li, é uma religião meio infantil, pura, voltada para a natureza. Há alguns orixás meio retados, mas passíveis de serem apaziguados.

A Igreja do Bonfim é a maior prova do sincretismo religioso baiano, enquanto o padre oficia a missa dentro do templo, no lado de fora , os pais de santo benzem as pessoas. Eles convivem bem. À amiga que me presenteou com o livro, retribui a gentileza, obrigando-a a tomar um banho de ervas, na saída da igreja do Bonfim! Ela gostou .

O preconceito para com essa religião é baseada no medo, na falta de informação. O medo está na cabeça das pessoas, assim como a fé. É uma questão de acreditar ou não. Agora, o que me surpreende , verdadeiramente , é que existe aqui acusação de preconceito contra essa religião.

Esses dias, os policiais andaram colocando uma mãe de santo num formigueiro. Isso é coisa que se faça com alguém, mãe de santo ou não? Houveram mil protestos e a senhora acabou sendo recebida pelo carioca, governador dos baianos. É ou não é uma coisa incompreensível esse tipo de coisa acontecer aqui? Afinal há no país a liberdade de escolha religiosa.

Por tanto, pelo sim, pelo não, aconselho a todos meus amigos, que por aqui aparecem, a saudarem e a pedirem licença a Iemanjá , sempre que entrarem no mar. Não custa nada e é bom lembrar de Shakespeare, que já afirmou existir mais coisas entre o céu e a terra.

O meu conhecimento sobre essa religião resumia-se ao que eu via em encruzilhadas ou na beira do mar. Não sei diferenciar despacho de oferenda. Oferendas, quando eu via doces nos pratos e despacho eu achava que era coisa ruim pois sempre havia galinha preta e sangue. Essa ainda é a classificação que faço.

Lembrei de que quando morava em Pelotas, muitas vezes passava os fins de semana no Laranjal ou no Cassino em Rio Grande. Saia a passear cedinho , com minha mãe, na praia. Ela odeia o sol e ficar queimada (preta, nas palavras dela). Encontrávamos, seguido , umas bacias com oferendas. Minha mãe xingava, tinha um medo atávico de feitiçarias e para ela, aquelas oferendas eram feitiçarias, coisas do mal. Eu, ficava louca era para pegar os quindins que estavam nas oferendas. Só não pegava por ter receio que algum bicho tivesse passado por lá antes. Ninguém, no mundo, sabe fazer quindins como as doceiras de Pelotas. Eu não pegava os quindins, mas numa total falta de respeito, pegava todas as moedas. Pagava picolé e pastel com elas para todo mundo, menos para minha mãe.

Minha mãe me excomungava o tempo inteiro e morria de medo que eu fosse cair morta a qualquer momento. Anos mais tarde, quando tive um problema seríssimo de saúde, ela tinha certeza que era culpa da feitiçaria daquelas oferendas. Ela nunca comeu um picolé , pago com aquelas moedas e está com o mal de Alzheimer.

Minha mãe era preconceituosa e às vezes, por caminhos indiretos, a vida nos ensina algumas coisas. Aprenda quem tiver juízo.

Anos mais tarde, quando eu nem pegava mais as moedas das oferendas, tive um problema sério de saúde, precisava fazer uma cirurgia de emergência. Era janeiro, eu precisava de sangue, o meu é O negativo. Quem disse que nós encontrávamos doador? Não havia soldados incorporados, todo mundo viajando, a família correndo atrás e nada.

Um belo dia, nós já preocupados, como nos contos de fada, apareceu não um príncipe mas um doador. Era um motorista de ônibus, da linha Pelotas/ Porto Alegre e tinha ouvido o pedido por sangue na rádio (nosso último recurso). Era um imenso homem, sorridente, simpático, foi até meu quarto se oferecer para ser doador. Sorte minha que eu não estava sozinha com minha mãe, pois do contrário , ele teria sido recusado – era afro-descendente e para complicar, usava aqueles colares religiosos no pescoço. Ele salvou a minha vida.

Depois, como estava de férias, me visitava diariamente, sempre levando algum agrado. Dizia querer saber como estava a irmã de sangue dele. Se sentia importante por ter salvo minha vida e nós agradecidos. Minha mãe só torcia o nariz, indignada. Não dá pra se aborrecer com ela, embora muito inteligente, cresceu num mundo preconceituoso.

Anos mais tarde, quando eu fazia qualquer coisa, que não estivesse dentro dos padrões dela (tipo, uma permanente nos cabelos, adoro cabelos crespos, os meus são lisos), me olhava com o canto dos olhos e resmungava, dizendo que eu deveria saber o que estava acontecendo. Era o sangue do meu irmão de sangue. Pena que perdi contato com ele, foi extremamente generoso, carinhoso e atencioso. Acho que ele se afastou, devido ao comportamento de minha mãe. Eu demorei a me recuperar.

Minha mãe não aprendeu nada, mas eu sim, em parte. Digo em parte pois preciso confessar que tenho pavor, horror de ciganos. Não lembro de nada que justifique esse meu comportamento mas nem me importei quando o presidente francês os expulsou. Se não disse, devo ter pensado - bem feito !

Mas alguma coisa aprendi com o comportamento de minha mãe e do meu irmão de sangue. De um lado só raiva, do outro, só generosidade. Então, quando me indigno e fico furiosa com toda e qualquer manifestação de preconceito racial ou religioso, eu penso naquele doador de vida – afro e macumbeiro, segundo minha mãe, mas me devolveu minha vida, que se escoava numa hemorragia.

A foto é no Dique do Tororó e a representação dos orixás. Esse dique fica junto as ruínas do Estádio da Fonte Nova, a pouco implodido. Foi uma pena, junto com o dique, era um conjunto perfeito.

A música hoje é em homenagem ao meu irmão de sangue, esteja ele onde estiver!

Café?



Um comentário:

  1. Meu blog enlouqueceu! Desculpem os vários tipos de letras. Foi decisão unilateral dele. Em minha defesa, sempre disse que sou preguiçosa! Tentei mudar, não consegui.

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