Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Prometeu e o pássaro


Pois é, ando preocupada com as bruxas. Quais são as de "verdade", quais são as de "mentirinha" e quais são "as impostoras". Ora, nem entre elas há solidariedade ou ética profissional. Não riam delas ! Elas existem ! Mas na verdade eu queria falar sobre coisas inexplicáveis, fato que aparentemente não possuem lógica e nem a ciência explica, mas que acontecem.

Lembrei de Shakespeare, ele me forneceu uma boa justificativa. Em Hamlet encontramos a seguinte fala:

Hamlet : " Recebamo-lo, então, como a estrangeiro. Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que pode sonhar tua vã filosofia. "(Hamlet", Ato I cena V)

Eu não sou uma bruxa, mas que há coisas estranhas e inexplicáveis pela lógica, isso há. Vejamos, ontem, 15 de agosto, marca o dia de nascimento de meu pai. Passei o dia com o pensamento lá nele. Foi tão maravilhosa a nossa convivência !Eu nunca olhei para meu pai como se ele fosse um "superman" e nem esperava que ele tivesse todas as respostas. Simplesmente eu o amava, com suas qualidades e seus defeitos .

Era um sonhador, sorte dele ter encontrado minha mãe, ela foi a responsável por mantê-lo com os pés no chão (às vezes ela falhava). Minha mãe era a razão e meu pai a emoção. Sempre convivi bem com a razão sem jamais perder de vista a emoção.

Meu pai foi quem abriu as portas do mundo encantador da leitura para os filhos. Ele não nos obrigava a ler, induzia o desejo de ler, de conhecer, de saber, de descobrir outros mundos.

Me deslumbrava com suas histórias, suas vivências. Quando não sabia alguma coisa, tinha a humildade de dizer e logo convidava: -"Vamos descobrir juntos!"

Não era um homem religioso, mas todas as religiões despertavam sua curiosidade. Frequentava a todas mas nunca, nenhuma o convenceu ou converteu! Talvez eu tenha herdado dele essa minha descrença pelas religiões, a minha falta de fé. Assim como ele, adoro todos os ritos religiosos, mas como espetáculo, completamente dissociado da fé. Já disse que gosto de igrejas, desde que o padre não esteja dentro dela. Acho uma missa solene um espetáculo lindo e amo o incenso. Mas não é sobre minha fé ou falta de fé que quero falar. Pensava no meu pai.

Sobre ele eu ficaria dias e dias escrevendo, é assunto inesgotável. Quero falar sobre a ausência dele e sobre as coisas que existem entre o céu e a terra. Meu pai foi a minha primeira grande perda e foi essa perda que me ensinou o que é a dor. Eu não externizo o que vai na minha alma, eu não falo sobre a minha dor e eu não choro. Quando ele se foi, descobri que a dor é algo que se apodera de nosso ser e com garras afiadas vai nos destroçando, pouco a pouco. Sempre penso em Prometeu acorrentado a um penhasco, por Zeus , e onde uma águia devorava diariamente seu fígado, que se reconstituía. Assim eu me sentia.

Não fui ao seu enterro, aliás, até tentei, não cheguei a tempo. Eu morava em Pelotas, meus pais em São Paulo e minha mãe o levou para Minas Gerais (desejo dele) . Quando cheguei a São Paulo, não encontrei mais ninguém. Fiquei esperando minha mãe e meus irmãos voltarem. Sua morte ficou como algo muito mal resolvido, dentro de mim, por vários anos. Sempre a dor! Nunca visitei o túmulo dele até que um dia, viajando para Salvador, de carro, resolvi desviar nossa rota e ir até meu pai.

Você deve estar se perguntando: "Como isso se relaciona com bruxas, Shakespeare e coisas entre o céu e a terra?" Tudo!

Meu pai está enterrado, lá no interior de Minas Gerais, numa cidade chamada Santo Antônio do Grama. Eu não ia lá desde os 10 anos, e nada mudou. O cemitério fica no alto de um morro ,à tarde, quando eu morei lá, sentávamos na calçada e ficávamos assistindo o espetáculo dos fogos fátuos, que de acordo com a Wikpedia são produtos da combustão da fosfina gerados pela decomposição de substâncias orgânicas , ou a fosforecência natural dos sais de cálcio presentes nos ossos enterrados (lá se foi a magia). Para nós eram fogos de artifício, adoravamos assistir a "queima dos fogos". Há uma escadaria com mais de duzentos degraus, para chegarmos à porta do cemitério.

Era um dia tão quente (janeiro) que era possível observar as ondas de calor no ar. Sabe um dia daqueles que nem urubu voa? Era assim. Eu desci do carro,rapidamente, e comecei a subir os degraus, correndo, os outros vinham mais atrás.

Não lembrava mais onde ficava o túmulo da família, mas não seria problema, o que havia de maior lá era a capela, bem na entrada. Quando cheguei na metade das escadaria, parei para respirar. O calor era muito forte e fiquei sem fôlego.

Parei e fiquei esperando os outros. Estava parada, quando um pequeno pássaro, marrom e laranja, pousou no meu ombro. Fiquei surpresa ! Queria chamar atenção dos outros mas não ousava, com medo que ele voasse. Mas ele não se mostrava disposto a sair do meu ombro.

Quando eles chegaram junto a mim, maravilhados com o fato, o pássaro voou. Ele voou ,mas não foi embora. Como um batedor, ia sempre na frente, mas nos esperava. Pousava no gradil da escada.

Não precisa dizer que estávamos surpresos com o comportamento do passarinho. Ele era bem pequeno! Mais surpresos ficamos, quando na porta do cemitério ele continuou voando na nossa frente e nós decidimos segui-lo. Ele pousou em cima do túmulo de meu pai.

Estávamos tão surpresos que não sabíamos o que pensar! Decidi fazer o que tinha me motivado ir até lá. Os outros, continuavam a observar o pássaro. Depois pedi a eles para se afastarem, queria uma conversa de pai e filha, apenas. Fiquei sozinha, nem tanto, era eu, meu pai e o pássaro. Conversei longamente com meu pai, chorei tudo o que até então não havia chorado. O pássaro lá.

Quando decidimos ir embora, o pássaro voou até a murada do cemitério e pousou . A vista lá de cima é panorâmica e belíssima. Ele esperou nos aproximarmos, então fez algo surpreendente , novamente, alçou voo. Voar é com os pássaros , mas ele voava em círculos, pequenos círculos que foram se tornando cada vez maiores, até desaparecer. E querem saber do que mais? Eu via tudo o que ele estava vendo. Eu via mesmo ou estava delirando? Sei lá, sol quente, ansiedade, saudade...Mas foi uma visão ou uma comoção coletiva? Minha mente influenciou os outros? Seria eu tão poderosa assim? Esse fato jamais voltou a ser conversado entre nós. Parecia algo proibido, constrangedor.

Talvez haja alguma explicação lógica para o comportamento do passarinho, mas para nós, éramos três adultos, foi algo extraordinário.

A partir desse dia, fiquei em paz com a ausência de meu pai. Mal sabia eu que mais duas e sofridas dores, ainda aconteceriam. Há ou não mais coisas entre o céu e a terra? Logo, há lugar para as bruxas, as de verdade, não as das historinhas infantis.

Café ?

5 comentários:

  1. Ahhh, minha grande amiga!!!
    Sou fã de carteirinha das tuas postagens, o que não é surpresa, pois lembras das horas de papo no salão? Saudadesss
    Bem, vou responder a pergunta sobre a pintura.
    Consegues me imaginar com um molde e fazendo tudo direitinho> Não, né? Isso mesmo...chego na bancada e vou largando a tinta no vidro e aí as coisas acontecem, rsrs
    Bem aquariana mesmo.
    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Que história fantástica e emocionante...
    Por que Minas Gerais tem todo esse encantamento e mistério, sempre fico a me perguntar o que as cidades mineiras escondem embaixo (em cima? do lado?) das ruas de paralelepípedos?
    Parafraseando Nando Reis, certas coisas "não tem explicação" e penso que seja melhor assim. Certos acontecimentos não precisam ser explicados, se foram vividos e sentidos para mim já é o bastante...

    ResponderExcluir
  3. Minha amiga Yara quem tem amigos generosos e gentis, como os meus, possui um tesouro !

    Quanto ao salão, claro que lembro. O salão de vocês possuia um diferencial da maioria, nós conversavamos e não nos preocupavamos com a vida dos outros. Bons tempos, boas lembranças !

    Devo ter um pé em aquário também, quando escrevo, nem reviso ou releio, escrevo e.....lá vai!

    ResponderExcluir
  4. Ah Carlos,lembra desta? Oh Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais...e é verdade!

    Minas Gerais possui seus mistérios e encantos. Você já foi a São Thomé das Letras ? Se não foi vá, aquele local possui uma magia, um magnetismo,propicia uma imersão no nosso próprio "eu" e, como você disse, citando Nando Reis, certas coisas, realmente, "não possuem explicação" e o que importa é ter vivido.

    Quanto ao pássaro, em nenhum momento pensei que fosse meu pai ou outra coisa estranha. Busquei várias hipóteses para o comportamento dele, joguei a culpa até no acaso, mas depois quando comecei a ter a visão em 3D, achei melhor deixar quieto . Esse acontecimento foi algo tão natural que nunca me perturbou, pelo contrário, é comovente mesmo!

    Sabe da maior? Depois que o passarinho sumiu, descobrimos uma estrada por onde devem subir os caixões, não precisavamos ter subido as escadas ou precisávamos.

    ResponderExcluir
  5. Ainda não conheço Minas Gerais, mas em breve espero conhecer as cidades históricas e de antemão aviso que já pus STL no roteiro.
    A história do pássaro é mais um ingrediente dessa história que merecia ser compartilhada. Não precisa ser explicado, afinal...

    ResponderExcluir